sexta-feira, 28 de maio de 2010

Um Parceiro - Por Ruy Flemming - Ex-piloto da Esquadrilha da Fumaça




Aproveitando o mês de maio, mês que se comemora 58 anos da Esquadrilha da Fumaça, venho com a Autorização de um Grande amigo, postar essa breve Homenagem, no qual o Cel. Ruy Flemming, fez para seu famoso "Parceiro" o T-27 Tucano da Esquadrilha da Fumaça, FAB-1331.

Um Parceiro - Por Ruy Flemming

Ele não era meu. Mesmo porque o fato de ter meu nome estampado na fuselagem não me dava a propriedade.
Ele era meu parceiro e entre parceiros não existe propriedade, existe cumplicidade.
Éramos cúmplices.
Passamos poucas e boas juntos e ele nunca me deixou na mão.
Cruzamos o Brasil de ponta a ponta. Passamos frio no Sul do país, calor infernal em Teresina - PI, voamos sobre as belas praias nordestinas, sobre a Selva Amazônica por horas seguidas. Visitamos diversos países, América do Sul, Central, fomos até o Canadá, fizemos dezenas de demonstrações nos Estados Unidos, onde fomos elogiados por nossa performance.
Ele era incansável.
Sempre me tratou muito bem.
Mesmo quando pegávamos uma tempestade durante uma viagem, daquelas que urubu não tem coragem de voar e vai a pé para o lixo, ele chacoalhava de um lado para o outro, o motor rugia, mas continuava firme e forte achando tudo muito engraçado. Ele me passava tranqüilidade, era como se me dissesse: Já já passa! E era assim mesmo, depois da turbulência abria aquele imenso céu azul e vinha uma sensação gostosa de paz.
Às vezes eu penso que se não fosse o FAB 1331, minha passagem pela Esquadrilha da Fumaça não teria sido tão prazerosa.
Tinha ciúmes quando algum outro piloto voava com ele, o cara vinha reclamar, dizia que ele puxava para a direita nas picadas de alta velocidade.
Que nada!
O fato é que ele não estava gostando do modo como estava sendo pilotado.

Eu também preferia não pilotar outros aviões. Sentia que faltava alguma coisa, conhecia todas as suas manhas, todas suas vontades, sabia como é que ele gostava de ser tratado, conhecia detalhadamente a velocidade de giro para entrar no vôo de dorso, sabia exatamente quanto eu tinha que compensar para ficar de cabeça para baixo, quanta potência eu tinha que usar para girar um tunô com os alas invertidos.
E como ele gostava de fazer parafusos! Para a direita, para a esquerda, sempre precisos e suaves! O Lancevaque então, era uma de suas manobras prediletas, fazia um e já saia pedindo bis.
Era muito valente o FAB 1331.
Quando, depois de uma demonstração as pessoas vinham dizer que o vôo havia sido bom, que os aviões estavam perfeitamente simétricos, eu dava uma olhadinha pra ele sorrindo.
Nós dois formávamos um grande time!
Falando assim, não dá pra imaginar o quanto a gente se dava bem. Dá só pra ter uma leve noção.
Parece até que ele sabia toda a seqüência de manobras de cor e salteado. A impressão que eu tinha é que ele já ia se ajeitando para a próxima cambalhota.
Depois do vôo eu dava uns tapinhas no seu nariz como forma de carinho e agradecendo por ter trabalhado de forma tão impecável. No vôo seguinte, ele retribuía, comportando-se de maneira ainda mais dócil.
Ficava triste ao vê-lo no hangar, todo descarenado, fazendo algum tipo de manutenção. Apesar de sempre ter sido muito bem tratado pela equipe de mecânicos, o lugar dele não era ali, ele não se sentia bem no chão. O Sargento Jayme, porém, dava todos os mimos para ele, afinal, era o responsável por sua saúde e também tinha seu nome estampado na fuselagem.
Suas linhas aerodinâmicas convidam para o vôo.
A vocação dele era estar lá encima, voando, usando toda a potência dos seus 750 cavalos, puxando G positivo e negativo, em perfeita harmonia com os outros Tucano, formando um ban do simétrico e arrancando suspiros do povo lá embaixo.
Um dia a gente teve que se separar.
Os pilotos ficam no máximo quatro anos.
Os aviões podem ficar bem mais tempo.
A despedida foi uma festa alegre, digna dos momentos especiais que passamos juntos. Foi no Campo de Marte, em São Paulo, quando tivemos a oportunidade de rever vários dos amigos que nos acompanharam nessa fase ímpar da minha carreira de aviador. Meus filhos posaram para fotos em cima de suas asas e brincaram como se ele fosse um playground, certamente agradecidos pelo tratamento dispensado ao pai deles no período em que voou na Esquadrilha da Fumaça, voltando sempre pra casa. Eu acho que a Bel morria de ciúmes dele.
Quando tomei a decisão de deixar a Força Aérea Brasileira, me perguntaram qual era a sensação de sair e aceitar novos desafios.
A resposta é bastante óbvia: um sentimento de perda que se resume à falta dos amigos. Eles são tantos e tão especiais que não seria possível relacionar todos aqui. A lista seria enorme e eu correria o risco de esquecer algum. O conforto é saber que a gente vai continuar a se encontrar nas aerovias da vida. O lado positivo é que essa mudança me deu a oportunidade de fazer novas excelentes amizades.
Um desses amigos, porém, foi muito especial: meu bom e velho parceiro, o FAB 1331.
Gostaria muito de vê-lo divertindo-se em algum show aéreo.
Hoje nossa convivência faz parte de um passado que eu gosto de recordar.
As lembranças dele resumem-se a fotos, filmes e uma maquete que ocupa um lugar especial na minha casa.

Vou sentir saudades.

Ruy Flemming

Artigo publicado nas Revistas Skydive e Frequência Livre. Publicado aqui sob autorização do autor.

2 comentários:

Mauro Donati disse...

Fala Tito...
Parabéns pelos artigo publicado. A história deve sempre ser preservada e mostrada.

Abraço..

Mauro Donati
Diretor Fotógrafo - Revista WEBASAS
www.webasas.com.br

Unknown disse...

Muito legal a homenagem ao meu parceiro. Ele merece. O FAB 1331 foi fundamental na minha história pessoal nos quatro anos mágicos que passei na Esquadrilha da Fumaça.

Parabéns pelo blog!

Forte abraço,

Flemming